30 anos de ”Use Your Illusion”: O Guns N’ Roses lança 4 impecáveis discos de uma só vez .

Aquela cultura de lançar 2 ou 3 discos num mesmo ano era uma onda mais forte nos anos 60 e 70, os artistas produziam muito material e de grande qualidade. Ao longo dos anos isso passou a ser cada vez mais raro, quase não se via mais esse tipo de coisa. Chegando mais pro início dos anos 90, mais precisamente em 1991 a indústria musical foi completamente abalada bela quantidade de lançamentos antológicos e o Guns N’ Roses estava no auge, eles acabaram lançando 4 discos de uma vez só e emendando um sucesso estrondoso. Vamos comemorar, já que hoje comemoramos exatos 30 anos do lançamento dos discos ”Use Your Illusion I” e ”Use Your Illusion II”!

O que será que acontece na cabeça de uma banda para lançarem 2 discos duplos (4 no total) de uma vez só? Ainda mais levando em consideração de que os músicos se enquadram na lista dos mais loucos do Rock e que profissionalismo em estúdio estava longe de ser uma das características deles? Bom, vamos dar uma viajada no tempo e entender todo esse background que explica o lançamento dessas belezinhas.

Vale lembrar que até então a banda havia lançado apenas 2 discos em 4 anos, o emblemático disco de estreia ”Appetite For Destruction” em 1987, o ”Lies” em 1988 e depois disso a banda seguiu em turnê de divulgação dos dois discos, muitos shows, muitas drogas e muitos problemas, como quase tudo que cerca o nome do Guns N’ Roses. Em 1991 as coisas mudaram um pouco de figura, a relação entre os integrantes da banda começaria a se desgastar ao longo do tempo, Axl passaria a ser mais controlador do que nunca em estúdio e sua ambição megalomaníaca seria levada às últimas consequências.

Alguns fatores além do estilo de vida completamente desregrado dos integrantes faria uma diferença considerável nos caminhos que a banda tomaria na gravação desses novos discos, o primeiro é a demissão do baterista Steven Adler por abuso de drogas e descompromisso profissional, oque é quase que um milagre se levarmos em conta que todos os integrantes são muito loucos. No lugar dele entrou o baterista Matt Sorum, que veio do The Cult. Na minha opinião é um baterista correto mas pro estilo do Guns o Steven era mais solto, naquele momento que a banda atravessava foi uma decisão acertada. Tivemos também a adição do tecladista Dizzy (Fuckin) Reed, um músico que fez a diferença principalmente nas apresentações ao vivo dentro dessa pequena adaptação do som da banda.

Durante as gravações dos discos e por parte da turnê, a banda ainda contava com o guitarrista Izzy Stradlin que acabou saindo da banda por não se identificar mais com os rumos que o Guns tomava e em seu lugar entra Gilby Clark, um nome que na minha opinião não marcou sua passagem no Guns, então nesse ponto, eu acredito que a banda saiu perdendo.

Começando a falar sobre o material em si, grande parte das músicas estavam engavetadas desde a época do Appetite For Destruction, como ”November Rain” que inclusive há rumores que Axl ja a havia composto desde 1983, ”Back Off Bitch”, ”Pretty Tied Up”, ”Knockin’ On Heaven’s Door” que eles ja tocavam ao vivo desde a turnê do disco de estreia, e “Don’t Cry” que foi a primeira composição da carreira da banda. Todas essas músicas só foram lançadas oficialmente nos Use Your Illusion.

Com relação a entrada de Matt na bateria, ele basicamente apenas tocou as músicas já compostas por Steven Adler mas acabou fazendo algumas alterações em algumas músicas como “You Could Be Mine”.

Os discos “Use Your Illusion” são trabalhos ainda muito pesados e calcados num Hard Rock voraz, mas ainda assim em comparação aos 2 anteriores são discos um pouco mais experimentais, digamos. Aqui Axl Rose grande fã de Elton John e Freddie Mercury adentrou mais um universo mais épico, com baladas grandiosas no piano alternadas à canções de rock diretas ao assunto que fizeram muito bem ao repertório da banda posteriormente.

Essa pegada épica com orquestrações de teclado deixaram Slash e os demais membros da banda bastante desestimulados. Em sua autobiografia, Slash diz que a concepção dos discos Use Your Illusion foram muito cruas no bom sentido e que se as pessoas ouvissem esses discos sem essas ”encheções de linguiça” o disco seria elevado à outro patamar. O curioso é que apesar de detestar os rumos musicais que Axl Rose levou os álbuns, ele admite que o trabalho de mixagem que Rose participou ativamente foi muito bem feito com muita precisão e profissionalismo.

USE YOUR ILLUSION I

Vamos começar a falar mais especificamente sobre as músicas desses discos, começando pelo grande ”Use Your Illusion I” que conta com 16 músicas em cerca de 1 hora e 15 minutos. Ele abre com “Right Next Door to Hell”, uma faixa muito interessante, que logo nos mostra uma sutil mudança na produção, a banda está excelente e musicalmente muito consciente, a letra fala sobre um curioso incidente em que Axl teria jogado um frango ou uma garrafa de vinho em sua vizinha. ”Dust N’ Bones” conta com os vocais de Izzy Stradlin e ”Live And Let Die” é um maravilhoso cover épico do grande Paul McCartney, á primeira vista não faz muito sentido mas o resultado na prática deu muito certo. “Don’t Cry” é uma das melhores composições da banda, uma balada mágica, atemporal e muito marcante, como curiosidade, vale lembrar que ela foi a primeira composição da carreira da banda, antes mesmo do lançamento do disco de estreia. Ela também está presente no ”Use Your Illusion II” com uma letra alternativa. Axl Rose afirmou que a música foi escrita sobre uma mulher chamada Monique Lewis, a mulher que está representada na tatuagem de um rosto em seu braço direito.

Eu também adoro ”Perfect Crime”, um punk rock muito honesto, uma das faixas mais viscerais de toda a carreira da banda, caberia muito bem no ”Appetite”, já ”You Ain’t First” é uma balada quase que no estilo do disco ”Lies” que faz um balanço muito bom dentro do disco, excelente e subestimada, o pessoal deixa bastante de lado. ”Bad Obsession” tem o clássico e característico cow bell que combina muito com a sonoridade da banda, uma das minha favoritas de toda a vida, se ”Mr. Brownstone” falava sobre como era a vida com as drogas, essa aqui fala sobre superá-las. A minha favorita do disco é ”Double Talkin Jive”, uma das faixas com a estética mais pesada da banda, as versões dela ao vivo são uma verdadeira paulada na sua cabeça, o título teria sido inspirado no fato da polícia ter encontrado uma cabeça e um braço numa lixeira próxima ao estúdio. Rola uma lenda de que as partes do corpo são do ator Billy London.

A seguir temos a faixa mais popular do disco, ”November Rain”, uma música simplesmente épica, uma das maiores baladas de todos os tempos, uma música que mudou minha vida, talvez seja a minha primeira lembrança da banda quando era ainda muito criança. As orquestrações de piano que Axl Rose fez nela são coisa de outro mundo, muito talento, os vocais dele também estão fantásticos como em todo o decorrer do disco. Um grande momento. Não posso deixar de destacar os dois solos de guitarra de Slash que entram tranquilamente nos maiores de todos os tempos, tirados da alma. Outro destaque da música é seu videoclipe, o primeiro da banda a ultrapassar 1 bilhão de visualizações no Youtube, um dos clipes mais caros da época com uma produção de cinema.

”The Garden” é uma das mais subestimadas do disco, quase nunca citada, é uma composição muito bonita e ainda conta a participação do grande Alice Cooper, ainda contém solos espetaculares do Slash em seu decorrer, ele estava de fato muito inspirado. ”Garden Of Eden” é um punk rock muito no estilo de ”Perfect Crime”, outra faixa sensacional com um vocal forte de Mr. Rose. ”Don’t Damn Me” poderia muito bem estar no disco de estreia da banda, no final Axl Rose faz um dos vocais mais viscerais de sua carreira. ”Bad Apples” eu também gosto, outra faixa muito interessante e pouco lembrada pela galera, vale o destaque. ”Dead Horse” é uma das música mais diferentes da banda, conta com um trabalho simples e bonito em seu início tocado por Axl Rose e apesar de ter uma aparência de balada, é uma das mais pesadas do disco. Excelente também! O disco fecha simplesmente com ”Coma” uma das composições mais complexas e a mais longa de toda a carreira da banda, uma música muito pesada e até meio tenebrosa, como curiosidade o som de desfibrilador nela é real e nos dias de hoje a banda até voltou a tocá-la, fecha o disco I muito bem!

USE YOUR ILLUSION II

Vamos agora falar um pouco sobre as músicas do ”Use Your Illusion II”, ele abre com ”Civil War”, uma das músicas mais lindas desse segundo disco, uma faixa forte e muito potente, tem uma pegada épica que me pega muito, uma grande abertura. Essa faixa foi a única faixa gravada por Steven Adler na bateria neste disco, que acabou sendo demitido da banda durante os processos de gravação dos discos. ”14 years” é uma boa música porém não inesquecível, como curiosidade conta com Izzy Stradlin nos vocais. ”Yesterdays” talvez seja minha preferida do disco, uma música bem diferente do estilo pesado que a banda vinha imprimindo até então, fora que Axl da uma verdadeira aula de vocal em seu decorrer. “Knockin ‘on Heaven’s Door” é a faixa mais popular desse disco, uma grande versão da famosa música de Bob Dylan, eles ressignificaram a versão, acho curioso os vocais de Axl nela, ela alterna os versos com sua voz grossa natural e seus estridentes drives, quando criança eu acreditava que eram dois vocalistas e tenho certeza que muita gente acha isso até hoje, genial.

”Get In The Ring” tem uma pegada meio ao vivo mas na verdade a música foi gravada em estúdio, o barulho de galera foi inserido posteriormente, é uma faixa muito legal que eu gostaria de ver mais ao vivo. Sua letra seria uma alfinetada aos críticos da banda. ”Shotgun Blues” é um bom Rock N’ Roll mas longe de ser das melhores. Já ”Breakdown”, é um grande momento que pouca gente lembra, o trabalho de piano fez total diferença nela, Slash disse que essa foi uma das mais difíceis de serem gravadas pela complexidade dos tempos dos instrumentos. Eu também adoro ”Pretty Tied Up”, uma faixa que se manteve no setlist durante a turnê do disco, toda vez que a ouço tenho um sentimento muito bom, grande composição. Os fãs também adoram muito a grande ”Locomotive”, uma música pouquíssima explorada ao vivo desde então, uma música também obscura mas muito bem gravada, como curiosidade é a única faixa que conta com a frase ”Use Your Illusion” em todo o disco.

”So Fine” é uma balada muito bonita na voz de Duff Mackagan, algo que também foi inédito até então e conta com Axl Rose nos back in vocals, uma letra muito bonita e com uma sensibilidade incrível, fantástica. ”Estranged” talvez seja a grande obra prima da banda deste 4 discos, uma música épica com uma letra extremamente complexa de Axl Rose que se mostra aqui um verdadeiro gênio de composição, é incrível imaginar que o mesmo compositor das músicas cruas do disco de estreia é capaz de fazer algo tão melódico e sentimental como essa, maravilhosa. “You Could Be Mine” foi trilha sonora do filme ”Terminator 2: Judgment Day”. E também tem um videoclipe maravilhoso com Arnold Schwarzenegger no personagem Terminator. O trabalho de Matt Sorum é louvável além de conter uma das maiores introspecção de bateria de todos os tempos, é muito porrada, um dos grandes momentos do disco. O disco fecha com “My World”, com certeza a pior composição da carreira da banda, para nossa sorte ela dura apenas 1 minuto e meio, Axl disse que a banda estava no estúdio comendo cogumelos durante a composição da faixa que durou 3 horas.

Não posso deixar de falar um pouco sobre as curiosas capas dos discos, ambas são muito parecidas, com a única diferença para as cores, o primeiro disco conta cores mais quentes e o segundo conta com cores mais frias. Ela é uma arte tirada de outra arte, a famosa ”Escola de Atenas” de Raphael e consiste num personagem da tela que está fazendo algumas anotações acredito eu. Acontece que existe todo um conceito por trás da escolha dessa capa, a pintura se trata de uma obra renascentista, que representa uma revolução na história da arte, e isso também acontecia na cena musical da época. E com o Guns N’ Roses não foi diferente, eles renasceram musicalmente em uma nova década mudando suas carreiras, essa capa representa muito tudo isso e foi muito bem encaixada dentro desse contexto, genial!

No encarte ainda está escondido a mensagem “Fuck You St. Louis” por conta de um evento marcante que ocorreu por lá num show da banda onde Axl Rose pulou pra cima de uma pessoa que estava no show filmando e havia uma regra que dizia sobre a proibição de filmar no show, isso gerou uma confusão generalizada e a banda teve muitos problemas por esse acontecimento. Vou deixar abaixo o vídeo do momento exato da confusão.


Eu honestamente acredito que o projeto ”Use Your Illusion” seria mais bem aproveitado se fosse um lançado como um disco simples épico. É óbvio que nós fomos presenteados com 4 discos maravilhosos de uma só vez, isso é algo que deve ser exaltado e aproveitado assim como faço diariamente. Mas no fundo, eu consigo enxergar um disco simples perfeito ou essas músicas sendo apresentadas ao longo do tempo em discos divididos, sei lá. Talvez eu esteja sendo um pouco chato, mas eu precisava deixar esse pensamento aqui. Outro tópico que eu gostaria de registrar, seria a ideia de que talvez eu discorde do Slash por um momento, eu gosto bastante da vibe épica desses discos mas confesso que eu tenho bastante curiosidade em ver essas músicas numa produção no estilo do Appetite For Destruction, seria visceral!

Os discos geraram uma imensa turnê que infelizmente foram as últimas da banda antes da separação em 1996. Alguns shows dela são adorados pelos fãs e com razão, renderam excelentes vídeos como as apresentações em Tókio em 1992 e Paris em 1993, vale muito procurar esses registros.

De considerações finais, os discos ”Use Your Illusion” são um reflexo de um Guns N’ Roses no auge criativo, uma banda que por algum tempo dominou o mundo, com integrantes extremamente excêntricos e problemáticos mas que com todos os obstáculos souberam fazer um Rock N’ Roll como poucos artistas souberam na história e mudaram os rumos do gênero naquele período tão fértil como foi o ano de 1991. Com certeza esse é um dos artigos que eu fico mais feliz em escrever, fica aqui a nossa homenagem à esses lindos trabalhos de uma das maiores bandas de todos os tempos!


Autor: Neto Rocha

25 anos, e grande entusiasta de uma das coisas mais poderosas inventadas pelo homem, a música.

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