No meio do caminho da década de 70, Gilberto Gil já era um grande expoente daquela efervescente MPB. Seja na linha de frente do tropicalismo, ou absorvendo as influências Rock ‘n’ Roll de seu exílio em Londres, ele sempre foi sinônimo de revolução. Mas, em 1975, ele resolve voltar às origens, do sertão nordestino, da conexão e harmonia com a natureza, e coloca em “Refazenda” uma sonoridade simples, nostálgica e de raiz. Nesse ano, essa obra-prima completa 45 voltas ao sol!

A calmaria já toma conta na no groove delicioso de “Ela”, que forma junto com a quebradeira de “Essa é Pra Tocar no Rádio” a dupla swingada do disco, com um astral que só Gil pode criar. Mas é resgatando a raiz nordestina, a dicotomia entre a dor, o sofrimento e a alegria tipicamente brasileira que ele encontra a fórmula mágica. E nessa sonoridade, não há como deixar de citar a contribuição do belíssimo acordeon de Dominguinhos, que é figura carimbada por aqui. Dessa parceria, surgem canções intimistas e de uma beleza ímpar, como “Tenho Sede”, “Ê, Povo, ê” e, especialmente, a deslumbrante “Lamento Sertanejo”, que é simplesmente uma das mais belas melodias já compostas, e adição obrigatória ao cânone do cancioneiro popular brasileiro.
A faixa-título é um capítulo à parte. Apesar de na época ser mal-interpretada devido aos versos “Abacateiro acataremos teu ato” como uma alusão ao verde oliva das fardas militares daqueles anos de chumbo, a canção é na verdade a síntese do disco. Uma ode à natureza e sua beleza, como um hino ambiental, que se tornou um dos maiores clássicos de Gil.

Em faixas predominantemente acústicas como “O Rouxinol” e a derradeira “Meditação”, ele brilha de maneira incrível. Soa como uma espécie de bluesman tupiniquim, transmitindo com seu violão mantras quase espirituais, numa voz que rompe as barreiras do tempo e do espaço. Simplesmente Gil!
“Refazenda” serve como meditação, para se ouvir envolto pela natureza, escutando os rouxinóis e colibris, e deixando que a paz adentre seu interior. Uma introdução perfeita à lendaria “Trilogia Re” (“Refazenda”, “Refavela”, “Realce”), e um dos melhores discos de nosso mestre Gilberto Gil!
