O Coração é um Copo Vazio – 40 Anos de “Empty Glass”

No apagar das luzes dos anos 70, o The Who era uma banda em transição. Tragédias como a perda de Keith Moon após o lançamento de Who Are You (1978), que, apesar de achar um disco muito bom, inegavelmente demonstra certa decadência, e as 11 pessoas pisoteadas até a morte num show no Riverfront Coliseum, Cincinatti em 1979, durante a primeira turnê com o baterista Kenney Jones (ex-Small Faces) ocasionaram uma pequena pausa, onde cada membro priorizou sua carreira solo.

Pete Townshend passava por um conflito artístico e pessoal. Se sentia aprisionado criativamente pela necessidade de se manter fiel às raízes da banda, tendo um pacote de material rejeitado por seus companheiros, ao mesmo tempo em que via grupos como o The Clash, Sex Pistols e The Jam, que devem tudo e mais um pouco ao pioneirismo Punk (e no caso do Jam, a estética Mod) do Who tomarem o mainstream de assalto, demolindo com urgência tudo o que veio antes. Disposto a fazer um som que dialogasse com a “Nova Era” do Rock ‘n’ Roll, ele retoma sua carreira solo e adentra os anos 80 com o espetacular Empty Glass, que completa hoje 40 anos!

O título e todo o material de Empty Glass tem conotações espirituais, o que, para quem conhece o trabalho de Townshend, não é nada de novo. Enquanto enfrentava o abuso de drogas, álcool, problemas conjugais e, é claro, a perda de um amigo como Keith Moon, ele se agarrou aos ensinamentos de seu famoso Guru Meher Baba, retirando o conceito de “copo vazio” do poeta persa Hafiz. Com uma carga emocional fortíssima, o disco é um dos trabalhos que melhor fazem um panorama da personalidade de Pete, que nunca deixou de fazer perguntas e se retratar como um ser falível, assim como eu e você.

“Hafiz – ele era um poeta no século XIV – costumava falar sobre o amor de Deus ser vinho, e que aprendemos a ficar intoxicados, e que o coração é como um copo vazio. Você sustenta o coração e espera que a graça de Deus encha seu copo com o vinho dele. Você fica na taverna, uma alma inútil esperando que o barman lhe dê uma bebida – o barman é Deus.”

Pete Townshend

A produção ficou a cargo de Chris Thomas (Sex Pistols, Roxy Music, INXS), que garante um som exemplar, como fica evidente no Rock ‘n’ Roll sensacional da abertura “Rough Boys”, que une os Power Chords à la Who com a forte presença de teclados, além de um arranjo de metais grandioso. No encarte do álbum, a canção aparece como “dedicada aos meus filhos Emma e Minta e aos Sex Pistols”, mas, à época, foi interpretada como uma confissão homoerótica de Pete, que, como sói acontecer, disse, desdisse, e até hoje não se sabe muito bem o veredito.

Pete Townshend em 1980.

As músicas, lidando com confissões e a fé, dão ao disco uma faceta singer-songwriter. “I Am An Animal”, guiada sutilmente pelo violão, tem uma de suas melodias mais preciosas, ainda melhor pela delicadeza dos falsetes de Pete. Já “And I Moved”, com o groove SÓLIDO de Simon Phillips, flui espacialmente por camadas de sintetizadores angelicais. Mas nada é tão pegajoso quanto o grande hit “Let My Love Open The Door”. Uma pérola Pop irresistivelmente alegre, que trata, acima de tudo, da devoção. Uma homenagem a seu mentor, Meher Baba, onde, segundo o próprio, “Jesus canta”.

Há também as canções mais viscerais, que inevitavelmente nos lembram do Who. Ouvindo canções como “Jools And Jim”, a raivosa “Empty Glass” e “Gonna Get Ya” é impossível não imaginar como ficariam na voz do nosso “Rock God” Roger Daltrey. Mas, é tão bom que esse gostinho é logo esquecido.

Apresentando um Pete Townshend renovado, Empty Glass acabou se provando um grande sucesso, chegando ao 5° lugar nas paradas americanas. E, até hoje, suas canções preenchem o “copo vazio” de nossos corações!

Pete Townshend em um Pub de Soho, Londres, 1980.

Autor: Caio Braguin

16 anos, baterista, aficionado por música (e todas as formas de arte) desde o berço. Música é minha vida!

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