“Everyday Life”: O ambicioso caleidoscópio sonoro e hipercultural do Coldplay

O dia 22 de novembro de 2019, foi a data escolhida que a banda britânica Coldplay, escolheu para lançar seu mais novo e musicalmente ambicioso projeto, batizado de “Everyday Life”.

O Coldplay sempre foi um grupo que com maestria, sempre soube levar o seu Pop/Rock intimista a ares cada vez mais grandiosos e universais. Chris Martin e companhia utilizaram o melhor das influências de U2 e do Britpop dos anos 90 (e também com outras grandes influências inglesas como Beatles e Radiohead) para pavimentarem seu próprio som no início dos anos 2000, principalmente em seus três primeiros álbuns, os ótimos “Parachutes” (2000), “A Rush Of Blood To The Head” (2002), e “X&Y” (2005). Mas logo em seguida, caíram de cabeça num Pop cada vez mais eletrônico e moderno em seus últimos trabalhos, como foi no caso de “Mylo Xiloto” (2011) e “A Head Full Of Dreams (2015). Mas felizmente, em “Everyday Life”, a banda corajosamente retoma o caminho para uma sonoridade mais orgânica e retrô, mas ao mesmo tempo sem deixar de ir além em termos criativos.

O disco se divide em duas partes intituladas de “Sunrise” e “Sunset”, que vão do Rock alternativo ora mais elétrico, ora mais acústico, alternância entre diversidade vocais, e arranjos mais experimentais. Junte isso a um grande e variado acervo lírico que tratam temas mundiais como humanidade e diversidade, união, respeito e pluralidade religiosa, e também críticas fortes à guerra, brutalidade policial, e às políticas excludentes, temos de fato um álbum grandioso e corajoso para se lançar nos tempos atuais.

O disco abre com “Sunrise”, um lindo tema orquestral levemente épico que poderia ser trilha sonora de filmes como “O Senhor dos Anéis”, seguido por “Church”, um belo Pop com boas guitarras e toques sutis de influências culturais do Oriente Médio, principalmente no lindo canto feminino no final. “Trouble in Town” aborda o racismo e a brutalidade policial, e traz um belo e sutil piano dark em um minimalista instrumental com leves toques psicodélicos, para na sequência final ganhar uma poderosa aura progressiva. “BrokEn” é uma excelente e simples faixa Gospel levada ao piano e estalar de dedos, onde Chris canta acompanhado de um maravilhoso coral (se fechar os olhos aqui, pode-se imaginar ouvindo isso numa igreja em New Orleans). E “Daddy” é uma singela balada de tom lúdico ao piano, muito capaz de nos arrancar algumas lágrimas devido ao seu clima lírico bem melancólico, o que a torna um dos destaques do álbum.

Logo mais, temos o grande momento do disco na humilde opinião deste que vos escreve, a excelente “Arabesque”. De uma ousadia sonora incrível, a faixa impressiona pelo arranjo meio Fusion e Jazzistico com interessantíssimos e intensos solos de metais tocados por Femi e Omorinmade Kuti, respectivamente filho e neto de Fela Kuti (lenda musical nigeriano e pai do Afrobeat) e que também conta com um sampler de um forte discurso político do próprio Fela, enquanto a faixa se desenrola num denso clima cinematográfico, simplesmente brilhante!

O lado “Sunrise” termina com “When I Need a Friend”, que conta com mais um belo coral e tenta emular o mesmo clima espiritual de “BrokEn”, porém sem nem metade da inspiração, o que acaba sendo uma faixa que pouco agrega ao disco no meu ver. Enquanto que “Guns”, inicia o lado “Sunset” com um Folk de violão esperto alá Bob Dylan (em sua fase inicial), onde Chris Martin canta de forma “raivosa” numa crítica contra o insistente armamentismo populacional. Leves toques de World Music também podem ser encontrados novamente na ótima “Orphans”, um Pop/Rock animado, dançante e meio tribal, mas com uma séria letra sobre os refugiados da Síria.

Na sequência, temos “Èkó”, que conta com belos dedilhados de violão e piano, e uma linda letra de amor ao continente Africano, e “Cry Cry Cry”, que se trata de uma singela canção Doo-woop, e que me remeteu a algo que os Beatles gravariam nos tempos de “Álbum Branco” e “Abbey Road”. “Old Friends” conta com uma bela sensibilidade acústica que a banda há um bom tempo não explorava, e lembra algo que o Nick Drake faria nos tempos de “Pink Moon”. Na sequência final da obra, depois de um clima meio sombrio e erudito de piano, surgem as belas, cativantes e esperançosas “Champion Of The World”, e a faixa título “Everyday Life” (esta última pode muito bem ser vista como uma faixa que sintetiza toda o conceito geral da obra) que se encaixariam muito bem em um disco como “X&Y”, por exemplo.

Em considerações finais, “Everyday Life” é um grandioso projeto de uma banda que não teve nenhum medo de arriscar e se reinventar ao juntar elementos e experimentos com música Árabe, Africana e Gospel, fazendo tudo isso se encaixar muito bem nas melodias acessíveis e no Pop característico do grupo. A boa e velha melancolia se faz presente, mas desta vez acompanhada por uma boa dose de esperança, e embora não seja uma obra perfeita, e que conta com alguns tropeços em sua totalidade, com certeza “Everyday Life” é um lindo tijolo na parede discografica de uma das maiores bandas inglesas surgidas nos últimos 20 anos.

PS: Informações adicionais do canal Pop Reverso.

Autor: Felipe Silva

28 anos, paulista, corinthiano, e o mais importante, consumidor compulsivo de música! Rock, Soul, Funk, Blues, Jazz, MPB, que a música boa seja exaltada independente de gênero. God bless you all.

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