
Sete anos depois das primeiras gravações nos estúdios “Abbey Road”, os Beatles voltaram para aquelas que seriam as suas últimas sessões. Bem anteriormente, mais precisamente em junho de 1962, eram apenas quatro simples rapazes deslumbrados, que queriam deixar sua marca na indústria fonográfica. Já aproximadamente por volta de julho de 1969, haviam se tornado altamente sofisticados e ambiciosos, prontos para gravarem um disco emblemático, que neste setembro de 2019, está completando exatamente 50 anos de lançamento: O maravilhoso “Abbey Road”.
As canções de “Abbey Road” refletiam as frustações do grupo. Seus temas variam entre dívidas pendentes, traições, carma, e a sensação geral de ter o peso do mundo sobre os ombros, e é claro que toda essa tensão de certa forma pairou também sobre as sessões de gravação pela qual a banda se submeteu nessa época. Mas felizmente, apesar de todo esse clima (Ou talvez por causa dele), “Abbey Road” foi um excepcional e inventivo registro de despedida. Este talvez seja o maior disco dos Beatles em que todo o quarteto teve espaço o suficiente para brilhar em diferentes momentos. Aqui temos uma grande faixa de destaque de John Lennon (“Come Together”), duas das melhores e mais inspiradas composições de George Harrison (“Something” e “Here Comes The Sun”), a melhor contribuição de Ringo Starr (Octopus’s Garden), e um fascinante medley de canções sublimes lindamente entrelaçadas por Paul McCartney.

Há relatos de que George Martin foi procurado por Paul após as sessões de “Let It Be” (Disco gravado antes porém lançado depois de “Abbey Road”), desejando que o lendário produtor os ajudasse a produzir um disco dos Beatles com o mesmo tipo de sentimento que costumavam ter nos primeiros anos. “Foi assim que nós fizemos “Abbey Road”. Não foi exatamente como nos velhos tempos, porque eles estavam trabalhando cada um nas suas próprias canções, e trazendo alguns outros músicos de estúdio para os auxiliarem, em vez de atuarem como uma banda mesmo” disse Martin. A história também diz que o problema fundamental durante as gravações de “Abbey Road”, era o curioso fato de que eles não conseguiam mais impressionar a si próprios. A mágica incrível que pairava no estúdio em momentos de alta criatividade parecia estar se esvaindo, sendo substituída por obrigação de ofício e trabalho duro. Durante as sessões de “Let It Be”, John chegou até mesmo a se dirigir aos seus companheiros de banda dizendo: “O resultado dos discos agora não é mais suficiente porque já sabemos claramente como chegamos lá. Antigamente quando fazíamos algo como “Revolver” (1966), sempre havia o elemento surpresa de como poderíamos ter chegado naquilo, e agora isso parece não existir mais, encorajando à todos a fazerem suas coisas sozinhos, o que acaba dificultando tudo”.
Sabendo de toda essa história, e tendo esse conhecimento e background sobre o álbum, é inacreditávelmente louvável que os Beatles ainda tenham conseguido encontrar e reunir forças e inspirações para gravar um disco tão fabuloso, clássico, e imprescindível para a carreira da banda. Indo para os grandes destaques presentes em “Abbey Road”, logo na abertura já nos deparamos com “Come Together”, um Rock com um quê de Funk cadenciado, envolto a linhas de baixo cativantes, e um criativo trabalho de guitarras. A lindíssima e super inspirada “Something” de Harrison (Que teve como musa inspiradora, a belíssima Pattie Boyd, esposa do “Quiet Beatle” na época) traz uma maravilhosa melodia interpretada de forma muito emocional por George, que ainda conta com um dos mais lindos e inspirados solos de guitarra de sua carreira. A poderosa e nostálgica balada R&B/Rock “Oh Darling”, é interpretada de forma apaixonada e visceral por Paul, com guitarras e baixos incríveis, e uma magistral e forte bateria. “Octopus’s Garden” é uma bela composição de Ringo com uma ótima sensibilidade Pop, sublimes harmonias vocais, e um ótimo solo de guitarra de George. Logo mais temos o Rock monstruoso e psicodélico de I Want You (She’s So Heavy) de Lennon, num trabalho magistral no hábil baixo de Paul, lampejos de organ hammond incrivelmente tocado por Billy Preston, e um excelente solo de guitarra de John. É literalmente uma montanha russa de fortes emoções!

A seguir, temos a maravilhosa “Here Comes The Sun” (Que foi composta por George no quintal da casa de seu amigo Eric Clapton durante uma bela manhã, enquanto ambos admiravam o nascer do sol) e tem um lindo dedilhado de violões. É uma singela e comovente balada, muito mais doce do qualquer canção de John e Paul. “Because” é um grande exemplo do quão maravilhosos cantores os Beatles eram, com harmonias vocais sublimes e uma melodia maravilhosa, sendo quase que uma oração. Para o resultado final, as vozes foram três vezes sobrepostas (overdub), criando um efeito de nove vozes. John Lennon canta e toca guitarra, George Harrison canta e toca sintetizador moog, e Paul McCartney canta e toca baixo. “You Never Give Me Your Money” inaugura o medley de curtas canções que dominam o lado B de “Abbey Road”, que se inicia como uma bela balada calcada no piano, logo mais se transformando num intenso Rock. Pode-se dividir a música em três peças diferentes e fragmentadas, que foram genialmente conectadas por Paul.
Na sequência apoteótica na parte final do disco, chegamos à “Golden Slumbers”/”Carry That Weight”/”The End”/”Her Majesty”, quatro músicas extremamente distintas, mas que se encaixam com perfeição. Em “Golden Slumbers”, Paul mais uma vez demonstra sua genialidade musical num lindo tema ao piano e cordas. Na sequência, logo emenda com a épica “Carry That Weight”, com um poderoso refrão, e incríveis arranjos de cordas que perfeitamente se entrelaçam lá com o início do medley em “You Never Give Me Your Money”. Logo mais, sem interrupções, vem a explosão com “The End”, um Rock and Roll fantástico num show de virtuosismo por parte do quarteto, com um excelente solo de bateria de Ringo, e na sequência um grande “duelo” de guitarras entre Paul, George e John. E “Her Majesty” finaliza o disco com chave de ouro num belo clima acústico de apenas 25 segundos.

“Abbey Road” é um disco clássico e único na história do Rock. Apesar de não possuir a mesma aura lendária de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967), é inquestionável que se trata de um registro revolucionário, que com certeza influenciou muitas grandes bandas/artistas posteriormente (Ainda sem mencionar a grande capa da obra, com o quarteto atravessando a faixa de “Abbey Road”, e que se tornou uma das capas mais emblemáticas da história da música). E o mais importante de tudo, é que “Abbey Road” permanece até hoje (E para sempre permanecerá) como um presente de despedida inesquecível no coração de todos os fãs e admiradores da maior banda que o mundo já viu!