
Jimi Hendrix provavelmente será sempre lembrado como um deus da guitarra, um escultor do som, e maior guitarrista de todos os tempos, que revolucionou o instrumento de uma forma como mais ninguém fizera. E é claro que esse reconhecimento á ele é excelente e mais do que justo, mas em minha mente, não consigo deixar de pensar que suas habilidades como compositor são frequentemente negligenciadas. Durante sua trajetória, ele compôs grandes e excelentes músicas que se tornaram clássicos indiscutíveis, e que combinam de forma fantástica uma narrativa com os melhores elementos do Blues e do Rock. E uma dessas composições, é a que trarei hoje aqui para o quadro “As 100 melhores canções de todos os tempos”: A maravilhosa e linda pérola “Little Wing”.
Muitos guitarristas, principalmente os da era do “Rock Progressivo”, tentaram ser épicos demais para o seu próprio bem, mas em pouco mais de dois minutos, essa pequena canção transmite o que muitas das baladas mais épicas e longas já lançadas na história não conseguem fazer em oito.

Na parte lírica, muitos acreditam que a letra de “Little Wing” é um reflexo sobre a atmosfera que pairava na segunda metade dos anos 60, com a febre hippie, as drogas, e as groopies, e além disso, haveria a forte influência de ácido na inspiração de Jimi em compor. O próprio Hendrix, ao falar da música, sempre conduziu a sua origem para esse lado: “Você volta para a cidade, para as bebidas e festas e assim por diante, e essas garotas bonitas estão por perto, e podem realmente entretê-lo.” Essa interpretação, apesar de ser a mais cômoda, não me parece ser a mais verdadeira. Prefiro estar ao lado dos que entendem a letra de “Little Wing” como uma saudosa lembrança de Hendrix à sua mãe, Lucille Jeter.
Os pais de Jimi se divorciaram quando ele tinha apenas 9 anos, e ele então foi criado pelo pai, convivendo com a mãe apenas esporadicamente. Lucille morreu quando Hendrix tinha 16 anos, em virtude de problemas hepáticos causados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Naquela época, Jimi havia acabado comprar sua primeira guitarra alguns meses antes, e aquele momento acabou sendo decisivo para que ele se jogasse de cabeça no mundo da música. Jimi nunca escondeu sua frustração pela perda precoce e ausência da mãe, e alguns trechos de “Little Wing” dão indícios disso: “Andar através das nuvens”, e “pequena asa”, provavelmente fazem referência a um ser angelical e amado por Jimi. Além disso, o verso “Quanto estou triste, ela vem até mim, com milhares de sorrisos que ela me dá de graça”, pode ser uma revelação dos sonhos que Hendrix admitia ter com a mãe, sempre com uma conotação de saudade. Então, podemos pensar que “Little Wing” seria o nome carinhoso do anjo da guarda de Jimi.

Na parte musical/instrumental, ouvimos uma maravilhosa guitarra, daquelas que só Hendrix pode tocar, e com um feeling que só ele conseguiria transmitir. Algumas pessoas enlouquecem nas primeiras notas de “Stairway To Heaven”, mas no que me diz respeito, a introdução de guitarra que abre “Little Wing” consegue ser ainda mais linda e sincera. Com sua mistura perfeita de guitarras principal e rítmica (As primeiras linhas melódicas da canção embaralharam para sempre esses dois papéis), “Little Wing” é pura beleza e puro sentimento, e o solo de guitarra na parte final da música é uma linda demonstração de um talento, e uma sensibilidade sem igual.
Ao longo da história do Rock, “Little Wing” se tornou um clássico inquestionável, foi lançada originalmente no maravilhoso disco “Axis: Bold as Love” (1967), e depois foi regravada por diversos artistas e bandas dos mais variados estilos, nas quais na minha opinião, se destacam os covers de Eric Clapton, que na época em que formou a banda “Derek And The Dominos” fez uma versão arrepiante de “Little Wing”, que entrou no lendário disco “Layla And Assorted Love Songs” (1970). Eric tinha um forte desejo de mostrar a incrível versão que havia feito ao seu grande amigo e “rival” de seis cordas, mas infelizmente Jimi acabou morrendo pouco antes que isso acontecesse. A outra versão inesquecível fica por conta do grande guitarrista Stevie Ray Vaughan, o lendário músico que revitalizou o Blues nos anos 80. Numa versão inteiramente só instrumental, Stevie Ray entregou uma maravilhosa e arrebatadora versão repleta de alma, com um feeling extraordinário, que com certeza fez o espírito de Jimi Hendrix sorrir. Este espetacular cover faz parte do segundo disco da carreira de Stevie, chamado “Couldn’t Stand the Weather” (1984).
Para concluir, “Litte Wing” é uma obra prima genial e arrebatadora, um atestado da genialidade e da musicalidade incrível de Jimi Hendrix. Sem dúvida uma das melhores e mais icônicas gravações de guitarra da história da música!
10/100